Marcilma Carvalho

Marcilma Carvalho
15 de abril de 2019 alayadanca

Interdependência do Espaço e gesto para a Consciência da Forma

Resumo

Toda operacionalidade artística de um espaço-temporal encontra-se intrínseca na realidade ou experiência do humano e sua corporeidade. Sujeito que dança e que transforma seu gesto simples em gesto dançado. Movimenta-se pelo espaço e finda novas modulações. Simultaneamente, aporta-se nas estruturas orgânicas como premissas pedagógicas para a clarividência do seu pensar, mas não depende só delas para indagar-se em seu fazer artístico, uma vez que, antes desse percurso, é corpo inacabado e sensível, aqui em processo. Sujeito dançante que une espaço da sua interioridade com espaço da sua exterioridade, numa contínua desfronterização de barreiras para a infinitude do gesto que dança. Com isso, repensa sua plasticidade cênica tão bem conjugada na estrada de seus poros e tão bem impressa na carne pelo seu meio.

PALAVRAS-CHAVE: Corporeidade. Exterioridade. Estrutura. Espaço. Meio. Afetos. Consciência.

Percursos: escolhas, descobertas, encantamentos e alguns giros

Hoje percebo que as escolhas tornam-se facultativas ao homem mediante seu contexto, e o meu contexto estava logo ali, pulsando à minha frente. Submetida a um ritmo de informação que a imaturidade não permite assimilar tão facilmente – reconduzida no manuseio dos meus poucos 12 anos – consumida e consumada por um território novo a ser desvelado ininterruptamente e em meio a isso, ambientada pelo encantamento da não privação do gosto das novidades.

Rever a dança e levantar as escolhas de um determinado espaço-temporal, que, a priori, tornou presente à ação da minha corporeidade em função do meu íntimo contexto, é, sobretudo, garantir a reflexão sob as categorias de experiência de alteridade frente aos eventos desse mesmo contexto. É importante ainda não esquecer, é claro, da inclusão permanente e contínua das pessoas que afetaram e afetam essas criações, e que de alguma forma, editam e editaram por complemento ou por desenvolvimento a proclamação de um corpo que se deseja organizar.

Com tão pouca idade, as tentativas de ordenar as minhas projeções abstratas eram difusas.  Até porque eu não possuía pleno domínio de minhas escolhas e todo lugar para mim era lugar fixo e inseguro. No entanto, longe da compreensão legítima do ato sensível, o que eu tinha era um corpo dotado de aspecto formal com muitos impulsos, que se movimentava e transitava pelo gosto das coisas novas que chegavam até ele, mas que ainda não alcançava a importância do exercício de sua práxis.

Minha aproximação com a dança deu-se por puro encantamento dentro de um processo aprazível, sem arranhaduras, numa eterna bricolagem que se deparava com um corpo rítmico na superfície de um espaço lúdico, cheio de possibilidades inusitadas, num caos positivo, tímido e particular, frente a um admissível percurso que durariam alguns anos.  Neste percurso inicial, eu cumpria com a objetividade das regras e técnicas impostas que configuravam meu estímulo primeiro na geração do conjunto de gestos dançados.

Posso afirmar que afeiçoará a esta dualidade da bagunça à organização e toda esta partitura complexa que compunha o espaço tomado por mim, e revisto agora dentro de mim, se deu numa corporeidade não tão óbvia na esfera do infanto-juvenil. Portanto extensiva à minha substância interna e também a meu prazer genuíno no alçar dos primeiríssimos passos.

O que falar dessa época ou desse pequeno histórico, carregado inclusive de certo saudosismo. Saudade, por que não tê-la? Posso ressaltar aqui o que antecede ao currículo e descrever todo um cenário mágico que precedeu os meus inúmeros aspectos de impermanência e de dependência consumada com a dança.  A vontade do que se deseja ser e o que de fato somos se instala num arquipélago com distâncias bem favoráveis. Digo favoráveis porque instiga o desejo de chegar onde o imaginário já se permitiu chegar antes.

Minhas projeções eram aleatórias, constantes e abstratas e, posteriormente, técnicas. Neste percurso de reconhecimento natural, meus primeiros movimentos saíram da construção dos meus formadores frente ao meu olhar impoluto de críticas onde percebia, assimilava e depois projetava para minha corporeidade dissonante e desconexa em função do exercício prático e do desejo eminente de me transformar.

Neste período, minha faculdade de julgamento se intercambiava com superdose do encantamento dessa arte, ou seja, a inexistência de seleção se propagava num mecanismo quase inconsciente de imaturidade corporal. Recordo-me da superfície dinâmica de imitação do outro, numa mimese sem fim. A única certeza, hoje, é saber que esta fase foi bastante producente nas minhas primeiras expedições pelo campo da arte do movimento. Com tal postura, revejo que a tentativa de assertividade sempre mediou a minha capacidade de tolerância sobre a minha esfera corporal.

Neste espaço de formadores, cada um com o seu gênero e discurso, posso delatar o que já sabia com tenra idade: que muitos se tornariam imprescindíveis à minha vida. O aprender, e consequentemente, o refazer-se têm suas benesses e a doçura e o encontro das digitais do outro mediante seus apontamentos, deixaram em mim grandes mudanças e muitas melhoras, fora a descoberta de toda uma paisagem poética impressa em meus poros e em todo contorno de meus gestos; do menor ao mais amplo.

Ocorre que, por não violar o direito do outro em me perceber, não há como se perder na certeza de algumas revelações. Reforço esta reflexão na extensão do plano das Artes plásticas, em que me formei. E é neste espaço de imagens que tento gerar e entender novas concepções, dialogando com a proposta metodológica de Lenora Lobo.  Mas voltemos às pessoas que deixaram em mim suas marcas ou para aquilo que eu descrevo como percurso curricular.

Acelerada, após transitar pela necessidade das peculiaridades do movimento, bem como a dificuldade do salto, a simetria encantadora, as repetições incessantes ou insensatas, o esmiuçar dos ídolos, as comparações inevitáveis, os espelhos, as sapatilhas furadas, a descoberta dos espaços externos, o controle ou descontrole das diagonais, as aulas de jazz, as aulas de ballet moderno de Fernando de Azevedo, com direito a purpurinas e lantejoulas a la Broadway; amado por uns e dilacerado por outros. Foi neste contexto, onde não posso deixar de ressaltar; que se deu meu experimento insistente com o clássico para iniciantes, sempre iniciantes, graças aos meus eloquentes andedans, ou seja, pés que não condizem muito para a dança clássica, fato este, adicionado a meu pouco promissor e acelerado ritmo.

Em meio a tudo isso cresci.  Tomada pela vontade de experimentar o novo, no intuito de superar alguns entraves corporais.  Desse modo, mediante a diacronia das experimentações que só o tempo e o passar da idade permitem, ultrapassei a barreira da falta de obviedade e as possibilidades de escolhas mais acertadas acalmaram meus devaneios estratosféricos de adolescente fugaz. Porém, ainda muito longe da sutileza que a maturidade traz, encontrei as provocações de minha pulsão de vida, onde, neste novo ponto, percebi minha corporeidade mais identificada, mais seleta em suas escolhas, iniciada a toda uma superfície pronta para ser desvelada.

Com dezesseis anos, ingressei num grupo experimental de Dança Teatro da UnB (GedUnb) que tinham como formadores: Yara de Cunto, Hugo Rodas e Luiz Mendonça. O cume dessa nova etapa é que eu tinha uma vaga ideia do que circundava neste ambiente sobre a concepção do que titulavam como dança-teatro. As coisas foram acontecendo de maneira muito instintiva e, para a minha surpresa, com uma dose elevada de satisfação. Em meio a tanta influência verborrágica sobre dança-teatro e outros conceitos, pude perceber que nesta fase eu ainda me lograva mais ao ato que a consciência do mesmo, onde a experimentação era minha exigente aliada, implantada por um consenso particular, próprio, daquele momento. De toda forma, a evidência de que uma chavinha qualquer havia girado lançava-me à frente das minhas mazelas corporais, mudavam-se os ângulos e, de fato, pela primeira vez, comecei um processo de me observar com mais cautela, mesmo ressaltando o gesto dançante em detrimento ao corpo de conceitos por ele gerados.

Quantas correções deveriam se abrir naquele ano! Entender porque eu estava tão fora do meu eixo e ainda acalmar aquele meu descontrole dinâmico que só o palco resolvia se tornariam novos desafios. Acredito que essa experiência tenha sido promissora nas contribuições do meu crescimento como profissional da dança. Trabalhei com a certeza de que estas pessoas eram interessantíssimas e arquivei o gosto por esta nova paisagem. Na eloquência de um pequeno risco de razão, descobri que existiam outros valores ainda a serem explorados, isto é, um trilho a se percorrer.  Conclusivamente, sem qualquer remoção das coisas apreendidas, fui me retirando a fim de me dedicar à infusão do meu mais aparente desejo, que era a dança moderna. Voltei para o meu território, fiz aula de clássico e mais uma vez descobri muita coisa sobre a organicidade da minha matéria.

Posso dizer que um dos meus grandes encontros foi com a coreógrafa de dança Denise Zenicola, hoje Doutora, atualmente lecionando Teatro e Dança na UFF. Alguns anos atrás, ela residia em Brasília, onde fomentava e organizava um oportuno festival de dança conhecido como Atrevidos da Dança e também dirigia e coreografava sua companhia ‘Proposta Cia de Dança’, no quão me integrei e me dediquei por alguns anos. Confortava-me seu posicionamento cultural, sua criatividade e inteligência. Sua postura foi notável em meu processo de imersão com a dança e, assim, o bloco de suas atentíssimas aplicações acentuava e remanejava parte de minha curiosidade num curso mais natural e menos pueril.

Neste breve retorno ao Proposta Cia de Dança, vejo-me mediada por boa e espontânea consequência de apreensões muito bem guardadas nos aportes da dança moderna, contemporânea e principalmente Afro-Brasileira, sob a ótica de uma busca estética no campo da dança no Brasil e suas raízes, principalmente conectava a leitura das influências de um corpo dançante africano nas mediações e contornos desse corpo brasileiro. Todo este percurso foi indispensável para o meu amadurecimento. Disso deriva que Zenicola tenha sido minha primeira significativa propulsora de potencialidades, motivando-me e submetendo-me a novos experimentos. Inclusive me aproprio de suas próprias palavras as reincidindo: “Meu corpo é porque foi”. Acresço inclusive, que as minhas atuais criações possuem o contorno sutil de toda essa esfera de recepção da dança moderna e Afro.  Neste efeito, uma nova imagem foi revestida no meu corpo e um novo encantamento proclamado numa duração conveniente e promissora para aquela etapa de vida.

Após alguns anos neste trajeto de dança moderna, dentro de uma constituição coreográfica pautada por composição de repetição dos movimentos coreográficos, ou seja, dentro de uma formatação no qual eu brinco chamando de quase “institucionalizada”, podendo assim, ser confortável para uns e gerar incômodo para outros, ou seja, estas se tornam a qualquer sujeito dançante; escolhas particulares. Desse modo, após alguns anos, algumas escolhas foram refeitas e depois de um processo muito aprazível, este, passou a não mais satisfazer-me plenamente, daí mudam-se os rumos, mas isso foi o de menos. Na verdade, hoje repenso que seria até um elemento substituível frente à propagação da minha real vontade pelo gosto de mudança, acentuando minha divergência, causa de uma reversível sensação de estranheza, que sempre me acompanhou em minhas experimentações, figurando de tal modo o meu percurso com a dança moderna e afro em sua travessia final. O que me leva a finalizar, meses depois, descobri entre os corredores do centro de dança, aulas de Lenora Lobo e uma nova proposta de reinvenção, ao menos pra mim, foi criada.

Deriva dessa curta distância a mudança de um estilo de dança para outro, bem como suas dificuldades de apreensão.  Há de ressaltar que não foi no palco meu primeiro encantamento por sua proposta metodológica, até porque, na época, ainda não tinha um olhar preparado para o contento desse criterioso estudo Labaniano, e para uma dança-teatro que se aproximasse mais do teatro do que da dança, tudo era muito novo, e esta era a minha leitura, mesmo que equivocada, de tal modo: específica e particular. A seguir, vieram os questionamentos e um entendimento mais peculiar, sobretudo interessante no contorno da dança-teatro e suas fronteiras, se estas, de fato, existiam ou não, culminaram em profundas indagações.  A curiosidade em conhecer suas aulas comentadas pelos corredores do centro de dança restaurava em mim um novo e suspeito apreço sob este novo modo de dançar.

Neste específico ponto de chegada, em zona de conflito comigo mesma, vinha levantando um confuso desejo de me tornar mais uma espectadora, indo para o lado do observador. Assim, ao me integrar na Cia Alaya Dança sustentei durante um curto período a necessidade ou a possibilidade de fazer apenas aulas e me retirar dos palcos, mas, Denise Zenicola, em contato com Lobo antecipadamente a alertou, declarando que eu possuía um perfil de bailarina de palco, ou seja, minha essência e projeções estavam atreladas a essa intimidade. Logo, seria aconselhável me jogar no palco o quanto antes, sobretudo em ataque ao meu curto devaneio de afastamento, sob esta conclusão, as duas conseguiram. Pisar no palco com o Alaya Dança foi e é uma experiência tocante, de trocas e acréscimos.

Agora, mais ciente de minhas qualidades de movimento, principalmente quanto à facilidade de apreensão sobre a velocidade do mesmo, parte de Lenora Lobo a postagem de um caminho inverso, com muitos apontamentos e muito longe das repetições, me desacelerou. Neste exame mais atento sobre as minhas vontades, além do desfrute sob a posse de mim mesma, Lenora Lobo instigou-me na construção de minhas primeiras sequências ou frases de movimento, neste caso, um novo processo gerador e construtivo do gesto dançante surgiu mediado pelo efeito e reflexo de sua razão de ser. De fato, seus estímulos maximizavam outros sentidos e, naquela circunstância, mexeram profundamente com minha carga expressiva pelo veículo da memória e todo resíduo de conservação se transformava em matéria impressa na superfície da minha corporeidade sob o ângulo simultâneo de reconstrução e ruína e também no decurso de me desfazer de alguns vícios. Conduzida em perceber cada unidade e espaço da minha interioridade, decorri em formular novos gestos na completude de meu eixo. A proposta metodológica, ainda me reeducou a pisar no chão, retirando qualidades do estoque, até ali, desconhecidas, estas, até hoje se tornam parte da minha identidade dançante.

Declaradamente a primeira boa impressão que tive com o Teatro do Movimento deu-se no exercício da práxis. Contudo, a minha paixão pelo palco na vitrine deste aprendizado veio depois. O encontro com sua proposta metodológica se tornou o anverso dos acontecimentos anteriores enquanto mudança de movimento e pensamento. Assim, me refez no curso de um modulante e contínuo reajuste em função de uma leveza diferenciada nunca antes compreendida, numa veladura alterada e sem cortes profundos. O mais interessante é que a figura de Lobo é condizente com sua proposta aplicada: que muito longe de impor, sugere; e que muito longe de recusar, aponta; e que muito longe de definir, apresenta. Tem sido uma honra porque sendo o que é, Educa dançando.

Encontro do Método do Teatro do Movimento no meu gesto dançante: processos sensíveis e corpo-espaço

Todo esse processo de intimidade com a dança reside na certeza de que o estado pleno daquilo que desejaríamos materializar no nosso movimento talvez nunca chegue à sua máxima, não sendo uma tarefa fácil, até porque, muito antes do movimento a gente sente o movimento. O dançarino busca as dificuldades a serem repensadas, refeitas, consideráveis a futuras soluções ou negociações com o seu próprio universo, gerando desse modo um mecanismo pedagógico de si mesmo e que, por mais abstratas que suas formas e emoções possam se tornar presentes corporalmente, suas reflexões não deixam de buscar ordenação seu aparecimento.

Neste caso o aparecimento do meu gesto dançante ou parte de sua ordenação se aportaram primeiramente na tríade do Teatro do Movimento: Imaginário Criativo -, Corpo Cénico e Movimento Estruturado, de modo que em estado de processo vai se adequando a minha corporeidade e aos meus desejos mais íntimos de compor, daí: amplia-se, estrutura-se, organiza-se, enfim ordenam-se num todo; e dentro de uma sistematização se finda na instância coreográfica. Não há como negar que no Triângulo da composição a ação é de fato associada ao movimento estruturado, e dele sai suas multiplicidades e facetas dançantes, que segundo Lobo, desdobra-se em espaços, dinâmicas e relacionamentos.  Lobo (2008, p. 24)

“A síntese da dança seria a expressão do imaginário criativo no corpo cênico que, por meio do movimento estruturado, elabora a criação em forma de composição coreográfica”.

Sem esquecer as associações pertinentes da tríade correlacionadas à energia ‘Imaginário Criativo’, matéria ‘Corpo cênico’ e ação ‘Movimento Estruturado’.

Após revisitar esta ordenação enquanto repertório de associações que habitam a composição evidencia-se com isto, um segundo momento de compreensão dentro do território das nascentes manuseadas de forma empírica por Lobo em seu livro Arte da Composição, a fim de rever os contornos de um percurso criativo. No contexto das tantas nascentes como: A sensação, a emoção, o sentimento, a memória, a imaginação, o devaneio, o sonho, a associação, a atenção, a intuição, e por fim a inspiração. De todos, três me chamam atenção pelo viés do gosto pessoal: a sensação, a memória e a imaginação. Lobo (2008, p. 82)

A sensação -, aquela que é a resposta dos órgãos sensoriais, produzindo uma vivência pela ação de um estímulo. É importante aliada da percepção […]. A memória -, onde se dá a capacidade de armazenar, reter, registrar e imprimir […] recuperar conteúdos, imagens e informações vividas e apreendidas pelo corpo. A imaginação -, por ela somos capazes de conceber, inventar e criar novas imagens.

Esta consciência de organicidade corporal, sensações, memórias, imaginação e a riqueza de outras nascentes como o sentimento, transportam todo fluxo criativo saindo de estruturas que tendem a se organizar, enquanto tomada de consciência, desdobrando-se em espaços visibilizados no conteúdo da plasticidade dançante.  Para Lobo (2008) brota dos modos de impulsos ou estímulos, que segundo a mesma percorrem fluxos internos e todo este processo configura-se como faculdades corporais as quais denomina pela metáfora de “nascentes”. Não muito longe desses fluxos de expressão que emanam a carne, Almeida reforça (2011) “ao corpo se ajuntam os sentimentos, dessa maneira o ato de sentir é constituído pelo movimento”. Além do que, Almeida pontua a esfera do sentir inserido dentro das afeições no plano do abstrato e das idéias, soltas e livres, ou seja, até aqui temos um dialogismo de afeição e fluxos.

É nesta lacuna de reincidências paradoxais que venho pensando e percebendo como se dão as bagagens no processo de um corpo dançante,bem como seus espaços dentro da consciência corporal. Neste desempenho é inadmissível está isenta as influências do mundo, só a assim, se tem a consciência da corporeidade que não trafega fora desse mesmo mundo. Por esta trama não há como pensar na organicidade corporal desconsiderando o contexto e todas as pluralidades, e com ele seus encantos e vínculos. Almeida (2011) pontua o resultado dessa mistura rica de experiência, consciência, corpo e mundo, revelando inclusive territórios determinantes para o contorno da epiderme humana; num jogo genuíno de alteridade de mundo e corpo, de modo a realçar elementos constitutivos de afetar, afeiçoar e ser afetado. O que se tem são modulações que se potencializam na reflexão sobre esta consciência de espaços, e com isto, todo um sistema de troca mais visível sob a morada da pele.

Pode-se dizer que esta constância caótica de se conscientizar frente ao movimento gera uma insistente retórica que circunda entre o conforto e a intriga sobre o gesto cênico, instigando assim toda uma aparência ilusória de que podemos chegar ao ponto final do entendimento, lembrando sempre que o final não existe. Esta engrenagem perpétua se sobressalta e se valoriza com a ideia do corpo num evidente processo, adiciona Almeida (2011) “Assim, o corpo não é um organismo acabado, uma massa de músculos, ossos e nervos na dimensão proposta pela anatomia, sobre o qual o ambiente não pode agir”.   Esta busca contínua de se perceber e tentar organizar-se é tão latente que produz em nós alguns diferenciais, como: aspectos ambientais, biológicos, naturais e o do próprio sujeito dançante que sente e percebe sua forma, bem como suas qualidades, dificuldades e controvérsias.

Muito antes do meu contato com o Método do Teatro do Movimento, os processos divagaram sem muita lógica, numa justaposição crescente e veloz de fazer algo novo ao invés de mergulhar ou experienciar com inteireza no tempo presente. Afirma Lobo (2003, p.137) “A aceleração faz com que o homem contemporâneo ocidental perca a harmonia e organicidade, transformando-se o movimento em metáfora do tempo, movendo a humanidade sem muita consciência do seu destino”. Lobo (2003) ainda esclarece sobre a mecanização corporal e pontua a dança como proposta de reeducação do humano com o tempo.

Insisto, não muito longe dessa configuração ocidental, escapou-me por negligenciar a eficiência de me rever numa constância. Num dado momento, dentro do contexto do método, sobretudo em tempos distintos: o espaço do corpo; sob o olhar deGil e o espaço no corpo e o corpo no espaço; sob a perspectiva do método Labanressaltados por Lobo (2003), criou-se o divisor de águas para que meu senso de dever sobre a consciência de minha movimentação tomasse um traçado diferente, cada qual no seu tempo e efeito, sedimentando categoricamente a compreensão dos muitos espaços a se explorar.

Embora a pesquisa exprima a vontade de falar do espaço-corpo somado pelas linhas de consciência na experiência pessoal à corporeidade estrutural; como ela se comporta e se revela, há, no entanto de ser abordada para que se perdure o lastro dos argumentos aqui ressaltados. Pensar no espaço sem antes falar se quer da corporeidade, seria incorreto e de extrema inutilidade as demandas de reflexão. Almeida (2011) “é na corporeidade que as pessoas apreendem o espaço”. Por esta via, carne e meio, que se incita o conhecimento sensível ainda que apreciada sem o rigor da ciência. De modo, que naturalmente não havia como percorrer o caminho desses espaços sem antever a exata medida de si mesmo na revisão de algumas sutilezas. Segundo Almeida (2011) “ Quando aqui me refiro à experiência, estou falando daquilo que a pessoa vivência, diferente da experiência científica onde a pessoa é o próprio objeto da experiência. Então, falo  aqui da experiência vivida”.

Minha relação frente à apresentação da proposta metodológica, em sua primeira instância, deu-se pela perspectiva de acuidade e reconhecimento corporal, especificamente permeado pelo segundo vértice do Triângulo do Movimento Estruturado. No entanto, convém lembrar que este primeiro componente – corpo – passou a respirar uma nova atmosfera de descobertas intensas e nada reconfortantes sobre a realidade de seus eixos, tecidos e órgãos e todo um funcionamento cheio de sutilezas e minúcias antes não pensadas. O início da apreensão dos movimentos estruturados se deu pela relação direta com a dança, bem como a visibilidade da proposta metodológica formatada pelos cinco componentes estruturais da estrela labaniana – como descreve o método: Corpo, Ações, Espaço, Dinâmica, Relacionamento. Porém, apenas dois aspectos serão evidenciados: primeiro o Corpo, depois o Espaço e, inerente a ambos, a consciência.

Lobo (2003) repensa o corpo como algo que pulsa, bem como suas qualidades cênicas dotadas de diferenciais. Cada dançarino possui uma digital especifica: uma cor, uma textura, um código e, em seu expoente uma identidade de movimento. É desse modo que uma organização articulará as especificidades na atividade do gesto. Mesmo lidando com o desdobramento ou encantamento das formas tão específicas do gesto próprio de cada um, e, é claro, na pertinente relação desse corpo com o mundo, não pude me afastar e nem esquecer que dentro disso existe uma corporeidade cênica, biológica, natural, além de uma bagagem histórica de outras experiências dançantes. E toda esta esfera se finda antes pela ordem ou desordem advinda das premissas estruturais possibilitando assim o seu trato pedagógico e minha aproximação por este novo espelho.

Lobo (2003) alerta que, para que o corpo cênico realize seu estado dançante, ele exercita seu ponto chave de consciência na manutenção do estudo de movimento, este, mediado pelas relações com a gravidade, com a energia, a respiração, as projeções, ritmos, pontos de apoio, força, compensação, espaços internos e externos. E, sob esta ótica, tais premissas pedagógicas alteram esse estado de consciência porque apontam caminhos que se tornam fundamentais para a dança. É proveitoso entender que o exercício cotidiano de pensar nessas premissas estruturais ativam a compreensão e a importância sobre as tantas fontes de consciência pedagógica. Assim, não há como distanciá-las do corpo, onde se tem a liberdade de pensar numa pedagogia do corpo que provém de um caráter mais implícito, diluída em toda organicidade a fim de ser eternamente reorganizada, ou seja, está inserido dentro de nós, num processo também inacabado e repensado.

Se a transparência sobre minha corporeidade se enunciava cada vez mais, esta, por sua vez resultaria na reflexão sobre um novo olhar pensado de forma mais fragmentada, assim: associar, distinguir, desenvolver os meandros dessa nova percepção foi e é mágico. Rever como se movem os membros, como as articulações possuem elasticidade e continuidade, que ainda se ligam, e que as superfícies da área do corpo são aportadas pela direção, que o corpo é dividido por um eixo vertical que dicotomizarealiza as simetrias, que, sobretudo, ainda existe um desenho físico do movimento por trás dos espaços da interioridade, e que o desenho espacial nada mais é que o próprio sujeito traçando seu movimento no espaço da exterioridade, e dentro dessa disposição, somado a todo esse conjunto rico de especificidades e possibilidades reside, ainda, a geração de movimento que pode surgir no centro do corpo ou de suas partes periféricas.

Mas voltemos ao contorno do discurso de Lobo (2003, p. 145) “o corpo do dançarino é o fundamento, o território vivo onde se manifesta a arte da dança”. Convém ressaltar que Lobo (2003) traduz a organização como aporte para a expressão da dança gerando a visualidade corporal considerando suas partes (torso, membro e cabeça), superfícies quanto às suas direções e suas articulações que unificam todo conjunto. Foi nessa compreensão das partes, órgãos e superfícies que se findou minha relação dançante com o método. Verifica-se, portanto o componente corpo no território da dança. Disso resulta a obra que é dançar, e todo complexo manejo de sua organicidade. Neste pequeno resumo, conclui-se que um corpo atrelado a uma construção consciente pode se configurar num novo modo de se movimentar, evidentemente, numa nova organização de sentido ou em um ato expressivo.

No que tange à minha apreensão sobre a interioridade corporal até o trâmite em que se expõe na superfície de sentido como ato de expressão, vale ressaltar Dewey (2010), que alega que a mesma expressão, em seu estado de impulsão, ira presidir uma movimentação do organismo como um todo, assim, entende-se, que as condições qualitativas do organismo com o meio podem produzir o ato de expressão por uma impulsão consciente. Neste curso, não se origina apenas como um simples impulso do humano com relações e circunstâncias externas, isto é, à medida que essa atividade se desdobra se incorpora e se depara com a consciência de seu sentido (existência ou motivo de sua razão), deixa de se tornar mero impulso e se torna de fato ato de expressão, de modo convicto e embasado. Daí a base da exigência que reconhece o meio como imprescindível ao ato do humano. Dewey (2010) acentua a continuidade da experiência pelas condições ambientais e que esta relação do humano com o mundo promove esta mesma experiência, principalmente quando há consentimentos favoráveis para sua expansão.

Tais considerações relativas à consciência do sentido do gesto para a geração do ato de expressão ainda resvala no fato de que nem todo processo interno que se exterioriza ou se prolonga para além de sua organicidade se intitula como ato expressivo, disso resulta sua denominação sob o aspecto de impulso, dentro da natureza do movimento instintivo ou de descarga. Afirma Dewey (2010 p. 148) “quanto ao ato em si, ele é, se puramente impulsivo, apenas um transbordamento”. Define que não se pode configurar ato expressivo criativo, se este cumprir apenas seu papel natural, sem a qualidade no foco de intencionalidade organizadora.

Até aqui, esta compreensão tornou-se vital no meu processo de inteligibilidade sobre as coisas do mundo as quais me afetam ou me afetavam. No anseio de sustentar novas relações, revelou-se a causalidade do gesto ou dos conceitos mais vulneráveis de ação e reação que cumpre seu papel biológico no mundo. Ocorre aí, a fundação de um passo importante para perceber o gesto dançado e toda sua propriedade de geração, enquanto percepção, e é claro, o encantamento de se produzir este ou aquele movimento. Assim, a atenção sobre a intenção ou o impulso do contínuo mover-se, que ao contrário do que parece; não cessam em suas propriedades de conceitos elaborados ou fechados, partiam agora de provocações mais intensas, sempre em processo, e que se modificava de acordo com a margem da minha vivência, sempre contexto da minha corporeidade sempre destinada a pertinentes estímulos.

Numa semelhança conivente sobre a interioridade no aspecto de impulso a configuração do ato expressivo ou gesto dançante focado por Dewey (2010), Lenora Lobo (2008), instiga a reflexão sobre o que é dançar, levantando estímulos, sensações, temas e ideias, no seio de uma reflexão dentro dos impulsos das nascentes, sobretudo frente a possíveis alquimias no território das criações, ainda, cita Stanislawiski mestre Russo com seus apontamentos sobre a importância desses impulsos e quanto à natureza do agir, onde estabelece formas dançantes na periferia do corpo. Lobo (2008) se curva a fazer um pertinente paralelo; ressaltando Rudolf Laban em seu dialogismo sob a perspectiva do “dentro – e – fora” no que tange a origem do movimento por impulsos e esforços, além de uma referência ao conceito de Jerry Grotowiski e seu pertinente estudo sobre a compreensão do impulso sob o vínculo de tensão muscular precedidos de uma ação. Diz Lobo (2008, p. 108):

Não são recentes as noções da relação do corpo com o meio ambiente, comumente apontadas por atores e bailarinos através da metáfora do dentro-e-fora com o objetivo de expressar como nascem e se estruturam gestos e movimentos.

Rever que o gesto dançado reage com mais obviedade às possibilidades que o circunda (meio) e que todo movimento se organiza e se ordena para expandir-se em ato expressivo frente à sua intencionalidade tornou-se um passo incomum e intensamente aprazível. Pensar a corporeidade que gera o sentido é pensar para além da superfície da pele é, sobretudo, rever uma estrutura de existência bem mais complexa que o habitual lhe convém como reação de impulso apenas. Disso resulta numa desvinculação do gesto dançado pelos contornos do senso comum que, por vezes, se sobrecarrega de homogeneizar ou categorizar a expressão como simples resultado coerente onde toda e qualquer forma se estabelece de preceitos estereotipados para o fim da expressão criativa.

Dewey (2010) concerne que é no material antigo da corporeidade que se finda o novo. Este, por sua vez é recriado e projetado com o meio e para o meio. Refere-se a uma visão onde a epiderme apenas formula a propriedade do limiar entre o organismo e o meio ambiente, ou seja, onde termina e onde começa e reforça as impulsões como alavancas que protagonizam o movimento de todo organismo sob o cunho expressivo. Então, Dewey (2010) afirma que a epiderme toma por hábito a simples função de separar o organismo do meio ambiente. Gil (2001) testemunha acuidade com a pele-corpo de outra forma. Seu modo de ver a epiderme não se baseia em aspectos de compartimentalização de fronteiras, de modo que em seu discurso não existem formulações dicotômicas entre meio e organismo (carne). Neste curso, ressalta a pele sob o enfoque de textura, que se prolonga e fura o espaço, se desdobra no espaço de tal modo que compactua em um só invólucro sua interioridade com a sua exterioridade e é neste contexto que se encontra o trato sob o olhar de uma maior inteireza.

E é sob este efeito de refletir sobre tantos fundamentos que me percebo mais internamente na instância de movimento, e agora externamente, não mais como uma casca que protege os órgãos e funcionaliza a pele como uma simples estrutura de volume que protege apenas, mas numa continuada percepção dos diferenciais dessas mesmas funções que abarcam uma nova forma de olhar e que ainda dinamizam a corporeidade sob seus muitos aspectos sensíveis e expressivos e não mais como instrumento subserviente do mover-se sem intenção. E não encerra aí tal percepção, segundo Almeida (2011) “O musicista não existe sem seu instrumento […] o dançarino é o corpo”. Veremos mais a frente que o seu discurso reforça a não instrumentalização do corpo a não separação desse corpo e ego.

Não há como fugir do exercício de um olhar mais genuíno mediado pela nova plasticidade e percurso, quando se vivencia com mais clareza o gesto dançado. É esta inteireza do olhar no âmbito do movimento que me compactuo, me integro numa semelhança de ordem particular e de interesse pessoal na aproximação da minha corporeidade com minha outra paixão que é a pintura e o desenho, numa atenção repleta de aspectos similares quanto suas: formas, fluidos, linhas e pontos e que, ainda se desenvolve na promoção e na busca de uma espacialidade mais integrada, no sentido de se tornar mais interessante porque o recoloca em seu mais íntimo percurso. É um olho que passa pelo corpo, que passa pelo espaço e que passa por dentro de si e até para além de si, transformando todo esse trajeto em dose mais elevada de consciência, sempre reajustadas e aportadas pelas raízes do meio. Dentro desse contorno, preside um novo modo de ver a carne e este corpo, antes apenas funcional, passa a se articular de modo diferente, senta e sente diferente, anda e corre diferente, pensa diferente, dança diferente.

Por todos os ângulos perceber este corpo mecanicista e sensível agora esmiuçado é tão prazeroso quanto provocativo, além de explorar toda uma superfície natural, cheia de componentes próprios, numa amostra de integração no aspecto da sensibilidade corpo e mundo. Logo, Almeida (2011) diz que a pessoa é o resultado da afetação entre ela e o meio, de modo que a faz participante de uma determinada sociedade. Já o corpo pensado por Lobo (2003) é um território fragmentado e sistematizado para a manifestação da dança, organizado e selecionado para o efeito de sua impressão. Ainda reforça Almeida (2010), o território do corpo é inacabado e transita por todo ambiente mediado por suas afetações, trata de afetar e ser afetado.

Por assim dizer, esta relação da corporeidade com o meio edifica novos processos de integração e apreensão para a formação de uma teia ampla do conhecimento sensível. Este estado de conhecimento sensível também é ressaltado por Lobo (2003), sobretudo com ênfase no resgate de lembranças na condução de estímulos que alcança as impressões no processo de registro do imaginário para a esfera da corporeidade cênica. Na grande safra dos impulsos de criação, vale ressaltar parte da proposta do Laboratório Origem dentro do âmbito do teatro do movimento, que por meio de estímulos auxiliava o bailarino-intérprete na sua introjeção histórica, para dela reconhecer possíveis processos de expressão. No percurso do impulso a criação, o procedimento didático desenvolvia dois caminhos básicos: saindo de uma ideia ou tema ou de estímulos que impulsionavam o próprio corpo ao gesto dançante. Lobo (2008, p.113)

[…] é importante temos em mente que não é só a excelência do tema que faz uma obra de arte […] Para o artista que vai sozinho em busca de seus impulsos criativos, seguem alguns procedimentos: entrar num estado de escuta consigo mesmo e com o meio. Ouvir seu coração, suas sensações, suas vontades e desejos de expressão. Se já tiver uma ideia ou imagem clara, siga confiante: sua intuição já está em ação”

A memória de um corpo é carregada por uma triagem de experiência presentificada naquele tempo-espaço na quão se findou, de modo que nenhuma memória se projeta em movimento, uma vez desconectada de suas camadas de afetos num especifico espaço-temporal que um dia pode ser reativada de modo a ser também ato sensível, conferindo ao corpo uma direta conexão com os resíduos do meio no presente ou do tempo espaço de um meio estritamente específico na memória de um passado. Numa fusão, o corpo e meio coexistem na construção de sua própria história e tudo que circunscreve vem aportado da proposta metodológica, estabelecendo uma relação direta pelo viés da memória ou pelos cinco sentidos.

No entanto, os estímulos foram assertivos na minha reflexão no que diz respeito ao ato de criação, sobretudo, orientada por uma escuta norteadora para com o processo de composição dos movimentos corporais. Lobo (2003, p.185)

[…] “a resposta a um estímulo criativo vai depender de diversas escutas e associações que o artista venha fazer com sua memória e seus mais profundos desejos”.

De tal modo, ter a consciência de que imagens advindas de estímulos estão diretamente ligadas ao meu cotidiano e à minha história, e que ainda constroem um movimento significante com a soma de meu passado e que no acréscimo dessa compreensão as afetações presentificam o processo de corporeidade num espaço evidente, é, sobretudo, producente para posteriores criações do gesto dançante.

Se com a minha escuta busco algo que marcou na membrana de minha interioridade, então todo o processo de movimento em puro estado de ebulição trará algo que ali se impregnou, com suas sutilezas e texturas, consequentemente esmiuçando neste curso todo um complexo contexto no translado do passado ao presente, de modo que aparecerá na pele o reflexo da realidade que se apresenta, de forma autônoma, mas também garantindo suas interações com o novo espaço, quero dizer que é a soma desse espaço do passado com o tempo presente. O cruzamento desses espaços (passado-presente) só reforça a evidência daquilo que se sobressai em meus poros, como se fosse um arquivo orgânico e, com ele, todos os resíduos do que se pretende rever, numa revisão sempre continuada e reatualizada no que se refere à arte de dançar servindo ou permeada a novas proporções.

Ganhar experiência sob o aspecto da arte de dançar, alcançá-la com mais convicção sob os canais intelectuais e emocionais, e conferir-lhe a evidência de sua identidade singular é algo motivador, acredito que tenha haver com este ganho proporcional do sujeito com o mundo e com a arte. Dewey (1934) pensa na arte como experiência contínua que sai de um ponto a outro como um rio que flui e ainda diz que a experiência comporta uma linha histórica, onde suas estruturas se apossam de qualidades únicas, sem lacunas, num voo livre e particularizado. Lobo (2003) aponta o bailarino em seu gesto singular em um movimento que é só dele, único.  Assim, não muito longe desse bailarino de identidade própria, único em sua forma de se movimentar, este ainda tem sua experiência amalgamada por sua subjetividade, conectado a seus distintos traços emocionais e intelectuais, que num fluxo acabam fundindo-se, rompendo-se num intercâmbio permanente, além de ligar e integrar este homem ao seu meio.

Nesta passagem resume-se que toda experiência passa por um processo ativo, exclusivo e particularizado de integração do humano com o meio, bem como, todas as condições ambientais. Vianna (1990) pensa na dança envolvida pelo prazer onde cada bailarino possui uma verdade a partir de sua própria sensibilidade. Isso corrobora para as singularidades do movimento que diversifica com clarividência um corpo dançante de outro.  Segundo Vianna (1990) a nossa expressão corporal reflete tudo que somos, além de nossa história, o que pensamos e o que sentimos. Não existe dentro dessa complexidade uma separação da expressão com a vida interior. Daí a veemência dos espaços que se integram a todo tempo e que se articulam levantando novos circuitos, fabricando ambientes no corpo e fora dele. Vianna pensa nesse espaço (1990, p.64):

O espaço é uma coisa limitada e, paradoxalmente, sem limites. Como tudo na vida. Ao dançar não podemos perder de vista esta noção: somos o centro do espaço que nos cerca e nele existimos como indivíduos, como pessoas, como seres humanos, estabelecendo nossas relações com o mundo.

Resta com isto, reconhecer que a corporeidade exclama parte do conteúdo da vida, desdobrando-se e refletindo por toda a complexa evasão de expressão cênica, embasada de experiência, mediada pela organização. Repenso num expressar mais genuíno, organizado sim, só que menos cartesiano, sobretudo mas tendencioso sob sua verdade interna. Algo interessante que Dewey (2010) pontua quando diz que o intelectual não se separa da experiência, mas não é a experiência própria em sua integralidade existem outras qualidades sentidas como a estética.

Almeida (2010) diz que existe uma relação do humano com o meio, mas não são sincrônicos como o ego e o corpo que se manifestam de forma unificada numa só instância. Segundo Almeida (2011), o ego é o próprio corpo. Nesta proposição, o sujeito se compõe de todas as suas experiências vividas.  A autora ainda apoia-se no argumento de inexistência de dualidade sobre a reflexão dos cânones filosóficos de Platão que lidam com a divisão do corpo que pensa e do corpo que age. Almeida (2011) enaltece uma linha de raciocínio congruente: o ego que se torna corpo e, com esta unidade, nenhum está a serviço do outro, mas ambos se presentificam na corporeidade mediada por suas vivências e afetos. Sob a mesma semelhança de unificação o pensamento se torna movimento corporal.

Almeida ressalta (2011) “O corpo nunca será um instrumento de expressão do dançarino porque ele é o corpo. Eu não sou objeto de expressão de mim mesma: me expresso simplesmente”. A ideia do corpo como não instrumento elucida reflexões não muito costumeiras, foge inclusive do senso comum de instrumentalização do corpo como linguagem ou enquanto ilustração sob o aspecto de sua plasticidade. Estas afetações do corpo (ego) com o meio produzem, segundo a autora, novos componentes de plasticidade e toda uma camada sensível interdependente que afetam o dançarino e suas particularidades.

Para Almeida (2011) plasticidade está diretamente relacionada à experiência, logo toda aparência do corpo se esboça pela convergência do corpo, da matéria carnal e da própria corporeidade plástica. Desse modo, é contundente pensar que as visualidades da minha matéria, bem como as propriedades de ação motora tenham relação direta com a minha experiência, meu cotidiano, bem como meu histórico. Isto ainda pode ser aproximado a considerações de Lobo (2003) sobre a identidade de cada dançarino quanto à singularidade de seu gesto, uma vez que cada um reconhece em si seu código digital, até mesmo sua superfície, pura e simplesmente visível.

É esta plasticidade na residência particular de cada corpo que me chama atenção. O outro (bailarino e sua história) é importante aprimorar este olhar sobre outro para que eu me incline na dilatação das ricas diferenças do gesto dançante, e com isto, não me venda a submissão do aspecto do virtuosismo, da técnica pura ou desista da aproximação generosa de uma constante troca sensível que vai da matéria ao espaço. Recupero insistentemente antigas apreensões e me ocupo a não negligencia-las, de modo que oportunamente busco trafegar nas diferentes visualidades e aprendo muito neste curso extremo das diferenças e dos diferentes corpos que se interagem ao meu corpo cênico, alias, repenso também suas semelhanças.

Dentro desses aspectos de troca quanto a aproximação ou distanciamento de corpos com o minha matéria, inclusive, suas delimitações, extrapolações e o traço de alguns mapas espaciais, conjugam-se na realidade de minha pele todo este bloco de aprendizagem no firmamento do método de Lobo, acrescido de constantes demolições, modulações e de um eterno refazer-se, sem me esquecer da essência das antigas apreensões. Assim, minha particularidade corpórea desenvolve uma plasticidade constantemente interferida pela substância do meio e do outro. Neste ponto de vista, toda extensa plasticidade da matéria à imagem se reveste sob as causas do meio e do próprio gesto dançante, ou seja, da estrutura ao humano, sobressaindo na pele (matéria) e no visual (imagético) o desenvolvendo de novos panoramas, aportados e direcionados hoje, pela Proposta metodológica de Lobo.

Almeida (2011) “A cada nova experiência a pessoa se remodela sem perder suas características primárias, mas mesmo assim acrescenta novas sensações à sua carne”. Rever o caráter particular das construções perceptivas no foco das pluralidades do meu corpo dançante é um esforço solitário ao passo que também árduo e difícil, porque nele novas apreensões vão surgindo na intensidade da vida.  Consideravelmente a expressão da minha corporeidade se apercebe no mundo, e assim se refaz, e uma vez se refazendo no tempo e espaço em que se fabrica não se revela engessada (o) a novas possibilidades do contexto em que se vivencia, logo, impossível discordar de Almeida quanto a contínua remodelagem; indo da carne a minha mais íntima expressão.

Aqui, admite-se que o cruzamento do sensível – o ato de sentir – e de afetar-se pelos estímulos das sensações cotidianas não só recoloca o corpoem contato com o meio, mas presentifica coisas da memória em estado latente. Pontua Almeida (2011) “A pessoa apreende o meio ambiente por intermédio de estímulos dos sentidos que agem simultaneamente. Ainda ressalta que o sensitivo visual, olfativo, auditivos e táteis, além do equilíbrio insere a pessoa num contato direto com o espaço. Quanto estas sensações a proposta metodológica fomentou a trama de um espaço  pensado dentro e fora do corpo, e também dentro e fora do palco.

Nesta imersão Lobo apontou em minha corporeidade frente ao decurso do aprendizado com o método uma diferenciada facilidade com o auditivo, com o ritmo e com o equilíbrio na junção e construção de pequenas frases de movimento conjugadas aos espaços externos, longe do domínio do espaço interno.  Vale lembrar parte de sua percepção sob meu processo. Diz Lobo (2003, p. 200)

Apesar de hábil, seu corpo trazia alguns vícios de postura e poucos espaços articulares, o que paulatinamente foi se transformando, sendo que seu movimento dançante, rico em dinâmicas e uma grande facilidade em coreografar frases, fazem dela uma boa intérprete-criadora.

Lembro-me, porém, que certo dia, Lobo pediu aos seus bailarinos para que observassem o andar, as tensões, a postura e o espaço de outros corpos fora do palco. Logo, todo este exercício, contribuiu significativamente para o meu processo de intimidade com o espaço, acionando uma mudança sobre a ideia fixa de um espaço categórico e revisitando não só minha casca como outras cascas que margeiam as esferas da percepção. Sair de dentro de mim e ver o outro me adicionam novas adaptações, tendo em vista um complexo jogo de alteridades e diferenciações, contudo rever o modo de cada um e seu trânsito no espaço incorpora novos enredos a minha vida.

Repenso parte da reflexão de Almeida (2010), sem impressões duvidosas, a experiência sensível não se permeia apenas por descrição discursiva de extrema coerência, contudo, é impossível redimensioná-la no corpo com intuito ingênuo de interpretá-la, visto que o corpo é mais do que isso; sua pluralidade não comporta tal julgamento concluído. Muito próximo disso é oportuno à reflexão de Gil (2001) sobre a energia do corpo jamais explicada em estado de pura evidência, inclusive sob o ponto de vista de uma retórica fechada. Assim, o objetivo dessas linhas sobre o corpo; é rever a memória, organizar as premissas que antecedem o movimento e, sobretudo, conservar todo estado de consciência do ego como corpo e suas afeições e afetações, bem como seu manejo inacabado, em processo, possivelmente esta energia que prolonga o gesto da corporeidade em dança, em forma nos tantos espaços: conservados, mexidos e repensados.

O corpo que se prolonga no espaço e dentro dele o espaço surgi em conjunção com o movimento expressivo

Nenhum movimento acaba num lugar preciso da cena objetiva, como os limites do corpo o bailarino nunca proíbem em seus gestos de se prolongarem para a pele. Gil (2001, p.53)

Discorrer sobre o corpo e o espaço requer um gasto significativo de energia quanto às conexões e associações a fim de uma apreensão mais concreta, até porque este território ostenta com muita propriedade um vasto sentido de conhecimento dentro da pesquisa moderna de muitos campos científicos e, não raro, dentro dos diferentes segmentos artísticos, foco de meu interesse atual. Assim, o método Laban parte rumo a duas referências básicas de espaço: espaço no corpo e corpo no espaço, este último, se predestina célula fundamental da coreografia.

Pensar na configuração corpo-espaço revela uma visão primeira, retiniana de perceber e reter como a arte do movimento se apresenta em gestos dançados. Num segundo momento, considerar que este mesmo gesto dançado está sob uma diversificada trama com o seu espaço, ou seja, um corpo que se prolonga num desenho livre, sem barreiras. Mas não são essas duas visões apenas que busco alcançar. Existe algo mais quando o espaço da interioridade se encontra com a materialidade que o permeia, sobretudo que qualidade se ganha com o encontro desses dois rios. Isso instigará parte da minha compreensão com esta esfera sensível do gesto.

O método cruza duas referências básicas de espaço: espaço no corpo e corpo no espaço. Para Lobo (2003) o espaço no corpo toma-se como referência o próprio corpo; já o corpo no espaço, resulta na tomada de um determinado espaço externo como referência direcional para este corpo. Simultaneamente ao método, aqui será formalizado parte de um estudo da interioridade corporal indiciando suas combinações e seu fim expressivo. O que leva, antes de tudo, a considerações pertinentes sobre o espaço que nos circunda numa visão da materialidade similar ao espaço objetivo, tão bem pontuado por Gil (2002), este que por sua vez, adiciona com muita relevância o pensamento do espaço sob a ótica da perspectiva do movimento dançado, operando sobre um eixo paradoxal: de um lado o espaço objetivo do outro o espaço próprio, e neste espaço próprio, pontuado por ele de espaço do corpo que se encontra o gesto dançado, este se envolve e desenvolve mediante a dinâmica do mundo, gerando assim, uma nova textura na pele do dançarino.

Essa nova textura da corporeidade também pensada como organicidade embarca num pertinente processo com o meio externo, homogeneizando-se de dentro para fora, tornando-se movimento dançando, coexistindo a tudo que o afeta e indiciando novos acervos. Dentro do seu conceito, ainda considera o espaço do corpo cria seu próprio referente. Assim, as direções externas devem, por sua vez, submeter-se a este corpo, ocorrendo de tal modo, um sutil desenrolar subserviente à ação do gesto dançado. E é exatamente dentro desse aspecto que o espaço do corpo não está intocado de possíveis e novas variações. Numa aquisição permanente, ele apreende e se transforma em qualidades de impressão e textura. Segundo Gil (2002), a imagem de seu corpo se opõe à realidade; o bailarino sente a dança, contudo, o espaço objetivo não é seu habitat natural porque nele ocorrem transformações contínuas. Por fim, restaura a conivência do espaço do corpo na conclusão e no exercício determinante de novas imagens.

Levantar estas posições espaciais me recoloca numa zona antes negligenciada pelo intelecto no que se refere à dependência corporal com o espaço que não se esbarra a nenhuma delimitação. A isso, se produz uma ideia ampla de expansão numa infinitude potencializada, norteada por uma corporeidade que se escoa em novos sentidos do gesto dançante, além da causalidade de projeção e imersão no espaço categórico (objetivo). A priori, percebia estes espaços dicotomizados, autônomos sem qualquer interação, ainda, numa época de comum acordo ao desterro de minha frágil película consciente, ou seja, atividade mental, até conivente, visto que não é de todo mal aceitar a desordem das apreensões ditas como novas uma vez findadas por tão tenra idade, portanto, na lisura de um comportamento justificável.

Segundo Lobo (2003), uma parte da proposta metodológica promulga o espaço permanente no contorno do dançarino – cinesfera –, numa condição em que se modula ao próprio corpo e é de tal maneira carregada para todos os lugares e direções. Lobo (2003) ainda afirma que este espaço pessoal assemelha-se a uma espécie de bolha ou invólucro. A cinesfera pode diminuir ou expandir e toda exploração espacial no contexto do corpo no espaço pode ser compreendida pelos três níveis principais: baixo, médio, alto somada às direções.  A infinita possibilidade do pensar em diferentes espaços se emparelha com a organização direcional ao redor dessa membrana que me envolve, definitivamente, revisto não mais como simples película perceptiva ou sob uma passagem breve do olhar, quero dizer, agora de fato, experienciado em sua variabilidade de espaços mais concretos e sem fronteiras.

Com este panorama fixado, a presença de uma coextensiva ligação dos diferentes espaços dentro e fora de nós, sobretudo ao redor dessa carne, ira também, consentir na produção de uma vigorosa variedade de produção móvel e circundante. Por este mesmo caminho afirma Gil (2003, p.59) “O corpo pode tornar-se um espaço interior-exterior, produzindo, então, múltiplas formas”. Reforça o agenciamento como fato precursor dessas novas experimentações deliberadamente ajusta o corpo na criação de fluências, densidades e força nas vias de conexão de um movimento a outro.

Segundo o método Laban, o espaço pode ser pensado sob a perspectiva de vinte sete direções, sendo que as direções primárias estabelecem caminhos que se encontram tanto na interioridade do corpo como no espaço externo, ou seja, espaço no corpo ou corpo no espaço e seus apontamentos. As dimensões devem ser pensadas como linhas de um ponto a outro, sob o efeito de direções opostas: comprimento (alto-baixo), largura (direito-esquerda) e profundidade (atrás-frente) e seus planos primários: vertical (porta), horizontal (mesa) e o plano sagital. Este último merece uma atenção especial, pois confere uma menção direta a ideia da roda que, devido à sua projeção frente e trás, sobressalta a propriedade de profundidade desse corpo no espaço, bem como seu volume, além de seu expressivo gesto que remonta uma sofisticada arquitetura de uma corporeidade dentro do território da tridimensionalidade.

No que concerne ao desenho da corporeidade de um corpo físico aguçado por seus espaços, é imprescindível rever as linhas dimensionais que testemunham a visibilidade dessa imagem do traço: seu desenho, seus planos e habilidades. Segundo Gil (2003), a criação da forma obedece a uma sutileza da lógica de energia, numa disposição que aciona mutuamente o fluxo de movimento, num percurso que constrói toda uma combinação de gestos a fim de gerar uma sucessão de experimentos variáveis, configurando de tal modo, a possível sequencialidade dançante, gerando assim o fascínio da forma ou de seu processo de construção.

Segundo análogo de Vianna (1990, p.63):

Energia do cosmo é uma espiral e essa energia se repete no corpo humano. Quando interrompida, ou quando não temos consciência, os movimentos tornam-se aleatórios e perdemos nossa individualidade.

Quando se reconhece o gesto dançado, o que temos a nossa frente é uma cadeia de tensões de um movimento para outro, que oscila da autonomia a dependência, desse modo, soam como notas musicais que combinam entre si em ritmo, intensidades, densidades, texturas e tantas outras modulações, onde o traço se comunga com o espaço no qual se incita este mesmo gesto. Vianna ressalta que para entender a cadência da natureza dos movimentos é preciso desestruturar algumas regras ou técnicas, ou seja, como negar sem entendê-las antes, experimentá-las pode ser de fato algo fundamental. Enfatiza a importância de uma dança honesta que respeite as individualidades. Com Vianna (1990, p.64)

“[…] sem respeitar as individualidades de cada um, o corpo deixa de se relacionar com o ambiente, com o universo, com sua própria natureza”.

Estas questões peculiares das relações esta tão próximas de Almeida (2010) com as afetações que é impossível passar despercebido de qualquer valoração positiva.

Anteriormente citado meu interesse na interioridade além dos impulsos das nascentes (faculdades corporais) para a cadência ou alquimia das criações dentro da proposta didática do método, para tanto há de se pensar como essas criações se comungam com o espaço. Segundo o Teatro do movimento – parte do bloco do das dinâmicas o uso de: força, tempo, espaço e fluência, que segundo Lobo (2008), essas dinâmicas possuem origem interna priorizando estados corporais. Sobretudo lobo (2008) ressalta que Laban em seu estudo sobre o espaço além de focar em estímulos de impulso conjuga dentro dessas ações um diálogo permanente na articulação das direções e dimensões, alegando que essas, ainda, produzem possíveis metáforas, bem como conteúdos. Sobre as metáforas reforça Lobo no estudo de Laban (2008, p 109):

A esse respeito, na dimensão espacial que comporta o binômio “largo e estreito” também podemos afirmar que “a felicidade é larga e a tristeza estreita”, assim como outras metáforas que trazem o conceito “para frente” apontando coragem e “para trás” apontando covardia.

Esta dimensão espacial por metáforas defronta-se em ultrapassar o uso apenas do espaço arquitetural, provocando ainda, uma conexão com o sensório-motor, onde toda corporeidade pode se desfrutar daquilo que sente e percebe no meio ambiente findadas por apreensões e correlações entre as sensações, percepções e ações e que por essas instigam novos processos criativos. Lobo (2008, p. 77)

[…] na criação de dança, estimulamos a percepção, mergulhando em nossos corpos, entrando em contato com uma rede complexa de circuitos e estados corporais, lançando-nos em expressão no espaço externo, selecionando e organizando o que faz sentido.

Para o método, seguir pelo percurso do fluxo criativo remonta não só o estado de respeito a  percepção e sensibilidade, mas admite e reconhece o corpo a ser preparado para ser acolhido no território do espaço, em seguida o bailarino repensa este espaço e interage, por sua vez, explorado, traçado, desenhado ocupado pelo próprio bailarino.

Lobo (2008), valida algumas sistematizações alegando que os colaboradores de Laban Kurt Joss (discípulo) e o coreógrafo americano Alwin Nicolai pontuam estratégias sobre o foco espacial; alavancados por impulsos periféricos, então diferentemente das metáforas esses pensam no alcance do espaço pela via de movimento isolado para jorrarem nas supostas periferias, portanto,  indo da periferia para o centro e vice-versa.

Segundo Gil é exatamente no trânsito de refletir sobre a variedade de formas de um ponto a outro que se encontra parte da energia que transfere o antigo movimento para um futuro mover-se.  Lobo destaca (2003, p.61) “No oriente, há muito tempo, são estudados os centros ou pontos de energia no corpo, fundamentando-se, com isto, a muito antiga medicina chinesa”. Ainda ressalta a bioenergética que se embasa na energia como influente aporte da própria vida.  Na conclusão desse estudo Lobo (2003), se apropria dos conceitos direcionadores e reincidem suas ideais alegando e reafirmando, portanto que a energia está relacionada ao fluxo corporal. Logo, o excesso de tensão dificulta o fluxo energético gerando diminuição flexibilidade e de projeções de movimento. E a não retenção de tensões possibilita maior conquista de espaço articular e maior projeção do fluxo no espaço.

Já no vértice do Triângulo da Composição realça parte dessa energia que se manifesta em matéria pelo viés da tríade: energia, matéria e ação, originando de tal maneira uma ação de movimento. Da energia à ação a forma se presentifica e todas as estruturas múltiplas da minha corporeidade, indo do pensamento a pele num só movimento, tornam-se uma coisa só. Este conceito aqui reincidido é afirmado por Dewey (2010) quanto à inseparabilidade do corpo e da mente, sobretudo pontuado também por Almeida (2010). Logo este aglomerado do mover-se no bloco das homogeneidades é também paradoxal em suas autonomias e dependências, ou seja, circula como um fluido dentro de nós, como um plano de sequência de fragmentos que gera a forma do todo, gera, sobretudo, o movimento dançante.

É neste despertar que penso na natureza da dança, sobre ela se lança sempre novos olhares, modulando apreensões, percepções, sistematizações, desejos, vontades, enfim é um vasto território de possibilidades, sobretudo, é o encontro com a minha materialidade com a substância mais intima que engaja minha experiência no mundo das criações. Lobo (2008) reforça todos os aspectos de impulsos que nos leva a criar, o corpo como processo, como meio na perspectiva de composição da dança, dentro dessa realidade a tarefa de escolha de estímulos ou temas. Daí o motivo de me lançar na tentativa de compreensão do espaço que atravessa os estímulos motores por meio de ações que me locomovem além de aportada por outra base didática encontrada no espaço cénico (relação com determinados espaços), direções espaciais (direções básicas: frente-trás, lado-lado, cima-baixo), desenhos espaciais (condiz à trajetória do corpo). Ainda levanto a residência de um espaço inquietante chamado de espaço da interioridade e exterioridade.

Pensar sobre energia é motivador, além de ser útil para a compreensão de que os aspectos do reflexo funcional não são os únicos indicadores que motivam o movimento, contudo, ainda conferem uma configuração plástica diferenciada em meio a seus percursos. A exemplo disso temos o movimento dentro do próprio corpo de pensamento tão bem acentuado por Gil (2001), os espaços e o imaginário criativo estimulado por Lobo (2003), e a força da corporeidade numa dinâmica direta e relacional com o meio aferido com pertinência por Almeida (2010) e Dewey (2010).

Até aqui, o que se tem, é parte de uma planura sobre a complexa cadeia de inteligibilidade de um corpo estruturado com suas extremidades expressivas, num cruzamento que envolve diferentes conceitos além de uma Proposta Metodológica inserida em minha corporeidade já alguns anos, este que promove o saber sensível dos fluxos corporais relevantes a dança. A circunstância é oportuna para a reflexão nas margens de toda essa narrativa de espaço, corpo e tempo e que se relacionam num fio da interioridade a exterioridade da carne, a fim de denunciar as múltiplas formas do gesto. Todavia, vejo hoje que não conseguiria desenvolver uma expressão mais genuína da minha corporeidade sem antes me relacionar com o espaço-temporal. De tal maneira, essa atividade apura parte do motivo de existência do meu gesto mais genuíno, suas pulsões, sua coerência no espaço presente, suas linhas, para pensar na posteridade da presentificação de um movimento que dança.

Convém acrescer que o trajeto do método Laban afirma que o núcleo central da teoria do movimento se aporta na propriedade do esforço entendido como impulso interior. Logo, incita a nascente da origem do gesto dançado. Neste ponto, o imprime como força vital, onde essa força esboça o movimento antes do movimento.  Esta área do conhecimento aciona o meu fascínio por todo acervo sensível. O ato de pensar na dança faculta-se numa imersão que extrapola as ideias e os espaços temporais.

Segundo explicação de Lobo (2008) o processo criativo se dá pela gênese de uma nascente figurada pela percepção. Pensar na criação do movimento sem considerar a esfera da percepção, seria um ato negligenciador ao passo que também seria impossível não conectar o corpo e seus teores perceptivos com suas metáforas de escuta, configurando uma atenção especial no foco dos processos criativos e suas reais intenções, daí a importância da escuta, ou seja, fomento do sensório-motor. Para Presston-Dunlop (1998 apud LOBO, 2008)

“a percepção antecederia a intenção, pois primeiro o dançarino reconhece os possíveis conteúdos e, depois, lhes dá movimento e intenção”.

Gil (2001) ainda pontua que não é o espaço limitador, mas um espaço imaginário da dimensão dançada que rompe com possíveis fronteiras e se lança no infinito. O infinito está justamente no processo dançado que mistura, transitando de um ponto a outro o fluxo da interioridade com o espaço da exterioridade, este último, torna-se espaço único: mensurável em sua textura ou imensurável em sua energia. Ainda afirma que no gesto comum, o exterior protagoniza a ação do corpo, já numa oposição; o dançado inaugura um sentido de ação interior. Dessa proposição, deriva todo desencadeamento de movimentação e daí compreende uma complexa e contínua construção infinita de espaço. Gil (2001, p.14)

“Eis que parece decisivo: o gesto dançado abre espaço à dimensão do infinito […] as paredes do palco não constituem um obstáculo, tudo se passa no espaço do corpo do bailarino”.

O discurso de Gil (2001) retrata a conservação da continuidade motora de combinar e aderir o gesto dançado, alegando à relevância da sobreposição do movimento, este, impedidor nítido para toda e qualquer convenção de fronteira objetiva, gerando a inseparabilidade do gesto que realça toda composição sensível, contínua, e é claro, dançante. O impulso interior desdobra-se em espaços, possibilita a compreensão da realização que norteia o início do movimento e toda sua infinitude; exigente e de caráter emblemático. Rever esses desdobramentos do gesto e o seu encadeamento consiste no privilégio de pensar na matéria do corpo coextensiva ao espaço que readquiri com a desfronterização dos meios e processos.

Para Lobo (2008) ao contrário de Gil a nomenclatura de fronteirização se refaz em sua semântica, colocada sob um mapa visual da percepção, se dá numa atuação de espaço de fronteira como uma ponte de ligação. Lobo (2008, p.90)

“a percepção faz ponte entre fora e dentro, em processo em que está envolvido um tipo de apreensão do mundo externo, juntamente com o interno […]”.

Neste percurso ainda ressalta que o artista está diretamente exposto ao mundo, assim, suas apreensões suscitam do acolhimento das atrações do entorno dos acontecimentos frente a seu olhar sensível.

Gil (2001), frente ao observador, aponta que é na micropercepção da estaticidade da carne, é que se encontra o primeiro movimento, ou seja, independe de quão minucioso ou diminuto possa se presentificar o percurso do gesto, este se desdobra pela percepção, assim, se faz dançado e percebido neste espaço. É esta trama de variações que facilitam a apreensão de algumas instâncias relativas ao corpo e seu processo de deslocamento no espaço. Logo, mesmo que mediados por uma micro percepção do gesto dançante ou na relevância do mais imperceptível dos movimentos, convencemo-nos frente a relevâncias de consciência corpórea; algo pode estar se movendo, sem ou com muita visibilidade. Almeida (2010), diz que o pensamento é também movimento corporal, ou seja, há deslocamento uma vez que ocorra uma atividade de ação.

Com tal consideração, toda relação ou estrutura motriz me coloca em locomoção, me desloca de um ponto a outro, e é claro que por este motivo me movo, mas não é nessa natureza racional de compreensão que me detenho apenas. Aqui, ela se torna uma condição secundária na esfera da minha percepção. Para tanto, efetuo outras considerações desse mover-se; a manifestação de aspectos mais atenuantes: o meu desejo e todo envolvimento do sensível no dançar o gesto que de algum modo se imprimiu num espaço e tempo nas linhas da minha corporeidade, enquanto experiência ou enquanto necessidade de ser dançante.

Logo, naquilo que concerne à existência de um motor fundamental para o meu contínuo deslocamento, toda essa lógica não impera sobre a vontade do gesto dançado, mesmo levando em conta a sútil alteridade de suas existências, ou seja, do gesto que dança ou do gesto reflexo da ação cotidiana, ambas contundentes, mas autônomas em sua plasticidade. Trata-se, portanto, de um gesto que condiz sob o efeito de interdependência com a arte do movimento, que se funde a uma paisagem motriz extremamente sensível, afinal, o que se presentifica é a travessia da arte de dançar. Ainda, me reservo o direito de ir mais longe: é minha corporeidade consciente que agora se modula num espaço – temporal do processo dançante.

No intuito de qualificar os diferentes gestos, foi possível atingir, portanto, uma envolvente e particular análise do meu movimento que se desloca de um ponto a outro, não considerando apenas sua motricidade enquanto instância deliberativa ou ditadora dos reflexos gestuais. Nesse sentido, já vimos, que isso não se constituiria em gestos dançados, seriam gestos comuns, de tal maneira que todo efeito de reflexão seria superficial e irrisório frente ao meu desejo proeminente de diferenciá-lo. É lógico que não penso nessa engrenagem mecânica quando danço, sobretudo, este percurso é insólito à maioria dos dançarinos. Mas, inevitavelmente, ocorre um momento de escolha para tal reflexão. Em alguma instância ocorre a indagação sobre o que está por trás desse mover-se e todas as condições funcionais e espaciais que aportam à organicidade do processo de movimento. É uma etapa relevante acerca da consciência do gesto dançado, em suas pluralidades e particularidades, todavia pensada diferentemente do gesto comum.

Como vimos, Gil (2001) evidencia a teia de relações que efetivam o movimento. De modo geral salienta o corpo como vetor direcional dos espaços. Num paralelo similar, a experiência do peso apontado por Lobo (2003) se torna mola motora para o trânsito do corpo no espaço. Sua narrativa confere ao peso uma tônica significativa. Diz que esse peso relacionado ao ato específico de inspirar ou expandir sustenta a resistência à gravidade, promovendo de tal modo um corpo com qualidade de leveza. Num percurso contrário, o ato de expirar ou esvaziar fará com que se presida neste corpo a qualidade do peso. Com essa articulação, fica evidente que a respiração conecta-se com o método, e ocupa um patamar norteador e essencial para o processo de projeção do primeiro movimento no espaço, com uma intervenção direta no corpo dançante.

Curiosamente é de grande valia voltar a refletir sobre esta gravidade e entendê-la sob outro aspecto para que não se tenha apenas projetado o ponto de vista cientificista da massa que se prende ao chão. Entretanto, perceber a conexão do corpo dentro de uma totalidade artística só restaura com mais pertinência meu regresso às coisas que me fixam e as que me soltam no espaço-temporal. Enquanto ato fenomenológico permite-me uma visão particular no desmontar da estrutura rígida da realidade gravitacional e convencional, contudo, bem explicada e consumada no humano, de modo que respeito (é ciência), mas não me prendo por completo na mesma.

Penso numa outra gravidade traçada e desposada pela arte do movimento, com sua licença poética e no uso aprazível de seu domínio, ou seja, se encontra nos substratos da percepção e na consequência de uma ação cênica. Conclusivamente, aportam-se em gestos que não se fixam à terra e brincam com a atmosfera. Para mim, o dançarino possui o domínio da flutuação figurada, utiliza-se de uma rica mistura de variações significativas, menos pragmática sobre este abrigo ou sobre esta cola corporal que sempre tenta prendê-lo ao chão. Portanto, aqui a minha subjetividade ou minha percepção me confere esta licença no olhar.

Naturalmente levanto a possibilidade de consolidação de um gesto dançado mais autêntico, principalmente naquele em que compete ao meu desejo de compreensão a outro vértice fundamental do método: o Corpo Cênico. A proposta de Lobo (2003) quanto a apreensão do corpo cênico, está fundada num estudo, que segundo a mesma, não se finda por nenhuma receita pronta de técnica absoluta, o que na verdade se desenvolve são estudos vivenciais para a preparação do corpo no âmbito da sensibilização, do conhecimento mecânico e também do conhecimento expressivo.  Daí precede uma tentativa jamais infundada de entender a construção autônoma de minha expressividade e os respectivos espaços articulados que concerne ao invólucro de minha materialidade visível, unindo, portanto, as diferentes abordagens e demais particularidades sensíveis.

Para tanto, compete verificar a integralidade de todo complexo contexto em que me encontro até suas projeções e intenções aferidas por estímulos, que propositalmente acionam novas emoções e sentidos, alcançando lugares diferentes. Gil (2001) cita palavras de Cunningham sobre o gesto dançado que dá sentido e diz que a emoção nasce do movimento, e não ao contrário. Esta ideia rompe uma possível retórica linear da contemporaneidade e me instiga a passos mais profundos e decisivos para a compreensão que desvincula o gesto dançado de uma ação literal ou necessariamente interpretativa. É nesse sentido, que mergulho na emoção do movimento para posteriormente integrá-lo na instância de uma organização ou intenção menos equivocada ou estereotipada, contudo mediada por todas as possibilidades de espaços. A meu ver, é impossível pensar na emoção sem pensar no espaço em que esta mesma emoção se estabelece.

Inclino-me frequentemente a retomar particularidades que confere o âmbito do movimento fragmentado, quero dizer, das unidades mais simples de movimento aos traços mais complexos. De fato, esse percurso de pensar as partes ou unidades, de certo modo, acaba por organizar ou apenas realçar dentro da corporeidade uma  experimentação plural do processo criativo, num conduto intercambial do interno ao externo, do orgânico até a expressão, numa lente amplificadora. Isto equivale a parte mágica que é o ato de dançar na comitiva do sensível a poesia da forma. Assim, de um fragmento a outro um todo expressivo ou um inacabado expressivo processo. Lobo (2003, p. 79)

“o corpo, moradia e expressão mais pura do ser […] o corpo, habitação de nossa existência, tão simples e tão complexo, parece guardar dentro de nós toda sabedoria do universo”.

Brandi (2008) concerne a presentificação do processo de movimento enquanto obra recolocando-a num trilho não fractal, realçando e separando o entendimento da unidade a concepção de um todo que subsiste ao total, este último, por ele, veementemente desconsiderado. Dentro dessa menção, esclarece Brandi (2008, p.43),

“O mosaico e a construção feita de blocos separados, o caso que de forma mais eloquente demonstra a impossibilidade para a obra de arte de ser concebida como total, quando, ao contrário, deve realizar um inteiro”.

Paradoxalmente, sustenta um todo potencial jamais fragmentado. Por ora, estes mesmos fragmentos devem ser levados em conta para o efeito da forma, o que permite reafirmar que toda essa matéria será de tal modo indivisível, a rigor considerada em toda a sua extensão.

Então, seria de fato possível acionar um paralelo do processo dançante com Brandi (2008), considerando que a corporeidade está sob este mesmo efeito, que se configura por um processo contínuo que concerne à maturação de sua plasticidade de movimento frente a uma cadeia que opera entre as estruturas mínimas, que posteriormente se converte numa visibilidade, onde sua concepção se dota de inteireza numa só totalidade visual, e que, sobretudo transita num fluxo de espaço e tempo até a superfície da carne. Tal inteireza pode ser encontrada na narrativa de Gil (2003) que diz não haver hiato entre pensamento e corpo, conservando assim a consciência do movimento, e que, por esta razão, surge um corpo de pensamento, alegando que este é relacional ao corpo físico. Portanto, toda atividade de pensamento consiste intrinsecamente na operação dinâmica e plástica do gesto dançante e o seu todo.

Aprofundando o análogo de fusão do corpo e espaço frente ao espaço de uma obra de arte, surge Morris (1978), que desenvolve parte de sua narrativa a volta de modulações reflexivas da estrutura do objeto artístico (escultura e arquitetura) com o espaço, numa relação direta e notável com a experiência. Concerne a este objeto uma coexistência a tudo que se presentifica ao seu redor, ou seja, o espaço percebido é também espaço próprio do objeto de arte. Neste caso, diz não haver inseparabilidade do espaço físico da obra com o espaço da experiência num tempo real, ao passo, que também ocorrem variações de experiência por este mesmo tempo que transita entre o fluxo experimentado a estaticidade do lembrado, onde o primeiro se efetua em tempo real, o segundo num espaço atemporal das lembranças guardadas.

É justamente por este análogo de Morris (1978) que demasiadamente sinto o gesto dançado, o mesmo se compactua com uma cadeia relacional de combinações de espaço-temporal, indo da presença à memória. É nessa atmosfera paradoxal que penso o movimento da dança como obra em processo, complexa e inacabada, numa cadeia de possibilidades, ou como corpo de pensamento que naturalmente invade o espaço e faz dele o seu espaço pessoal e ainda produz a essência da inteireza que o olho não há de negar.

Agora por dentro de mim um olhar observador

Estou convencida que minha percepção corporal tem como traço individual o espaço alcançado por mim. Sinto o espaço direcionado por minhas particularidades de movimento quanto às minhas qualidades próprias, aportadas por gestos simétricos e assimétricos, vetores que eu sempre gostei de realizar, ou seja, experiência do gosto particularizado dentro do meu campo humano. Quero dizer com isso que um corpo pode ser mais tendencioso a explorar determinados movimentos ou espaços específicos, bem como vetores direcionais que lhe possibilitem um conforto no gesto dançado. Entendo que minha composição dançante se vê de forma livre em seu contexto, numa expedição elaborada pela experiência de sentir e ainda define com mais acuidade e precisão suas intenções no espaço que toca e no espaço que é.

Toda imanência das coisas que nos circundam, suas conexões, por tão múltiplas que ocorram, afetam, sobretudo parte dessa visão axial. Sem reduzida impressão, ainda sinto minha corporeidade sobre muitas camadas, num infinito espaço que produz uma perpétua bricolagem da experiência com a unidade de movimento. Desempenhar ou refletir elementos de contextualização sobre a arte de dançar é mais que um desafio para quem dança, porque fecunda a barreira da práxis formalizando um possível discurso de descobertas sem fim. Uma das mais significativas descobertas dessa escrita se deu na fecunda contextualização dos autores a realçarem o conceito de unidade do corpo com os espaços e do corpo com a experiência frente às coisas que nos circundam.

A liberdade e o espaço que a dança nos oferece é colada na retina de qualquer observador leigo, que percebe no corpo dançante suas demais qualidades, bem como seus defeitos ou estranhamento por ele ofertado. O que se espera desse observador, me resguardando o não uso da hipocrisia, é uma visão transparente dotada de particularidades e identidade, de modo a serem sempre relevantes seus apontamentos. Não significa com isto, propor arduamente uma visão interpretativa, matematizada, cartesiana, dotada de signos e significados, coberto de valores. Na verdade o observador, por mais que contemple ou aprecie esteticamente toda e qualquer obra sob o parecer artístico, há de se deparar frente à sua honesta necessidade de render-se a intenção de nomear ou organizar o que sentiu ao ver uma unidade dançante.

Convenhamos que nós dançarinos não tenhamos a vontade, às vezes, literal de gerar significados no nosso trabalho, uma vez que nos damos ao deleite de se entregar a desordem para plena fruição contemplativa. Numa contramão, a visão do sujeito que contempla a obra dançante tende a uma verborragia insistente e até contundente sob o verdadeiro impulso de organizar seus sentimentos em relação ao que se mostra a contento de seus olhos, de modo a isso não significa o mesmo estará convicto de suas assertividades discursivas, mas estará em pleno gozo de seus direitos. Acredito ser fundamental, todo e qualquer discurso, pois propõe uma profunda instância de reflexão no momento de troca, onde os espaços se cruzam; nasce daí, o território de quem vê a obra dançante e de quem a produz, sobretudo, num paralelo conivente para tamanha abertura de ideias. De tal forma, os apontamentos desse observador acabarão por completar a revisão de um corpo cênico enquanto processo.

É contundente colocar o movimento dentro do dispositivo de obra. Não vejo de outra forma a beleza dessa compreensão. Verificar que toda realidade dançante passa pela democratização da liberdade espacial, onde não há retenção de limites e que de tal modo a pessoa se torna espaço, é, a meu ver, um estímulo peculiar, ao passo mágico para novas percepções e corporificações sobre a arte de dançar ou sobre a projeção da construção de um gesto que dança. Notoriamente corpo e espaço se comungam diante de intermináveis descobertas, e todo espaço pode ser repensado de forma lúdica, como uma linha que brinca e costura pequenas unidades de movimento, fazendo desse movimento o próprio espaço adquirido, em sua inteireza ou até, quem sabe, transformando meu corpo numa escultura que se move, em processo, portanto, obra que se dança.

Mesmo tendo corrompido boa parte de minha consciência corporal nas lacunas de alguns anos dentro do território da dança, foi justamente por não perceber as evidências que determinam dois espaços que influenciam o meu mover, que me encontro no momento instigada a voltar à repensar sobre este passado ingênuo, numa época em que o olhar era mais contemplativo e menos meticuloso. É neste espaço mental que reconheço com mais planura, todo complexo dinâmico de afetação do meio com o humano e suas simultaneidades. Assim, é exatamente no campo das organizações que não consigo separar toda esta humanização (meio e sujeito) estratificada da arte carregando de fato suas memórias e histórias, sendo, portanto, um só corpo, bem estimulado pela proposta metodológica no alcance das teias de minhas criações.

É nesta configuração de espaço pessoal que só reforça, pós-maturação, que a exterioridade de um contexto, se reflete em qualquer corpo dançante com suas sutilezas, processos, praxis e memórias. Nesse efeito, todas as condições ambientais tão bem pontuadas por Dewey e por Almeida, promovem a experiência, consumando o gesto em suas qualidades particulares, onde se finda ao espaço-temporal de um movimento. Não há como desconectar o movimento dançante com o aspecto de escuta ressaltados pela Proposta metodológica de Lobo. Descortina-se, portanto, pelo viés do método, que esta mesma escuta irá promover um corpo cênico dotado de memórias individuais e que todo este áudio acionará as histórias de um dançante. Desse modo se minha corporeidade se interage com outro corpo, se torna impossível não vislumbrar a ideia de novos arquivos de espaços; assim, tornam-se movimentos e corpos dentro de um espaço-temporal com suas variáveis e seus diálogos, sobretudo compartilhando territórios comuns.

É conivente pensar que estas entrelinhas de multiplicidade tornaram-se interessantes aos meus olhos, antes manejados pelo óbvio do espaço próprio e do espaço circundante, bem como o óbvio das condições mecânicas (funcionais e reflexos) que sempre me encontravam para dançar e, com isso, ainda repensar como se incita a formação do gesto dançado no curso das tantas possibilidades. O que vimos aqui, é uma cadeia de relação que fomenta reflexões sob um eixo binário de interioridade e exterioridade do espaço-corpo e seus processos coexistentes para a ação do movimento, ressaltando o movimento que dança. Acredito ser pertinente rever este reflexo duplo que decorre desse espaço paradoxal e seu processo de inteligibilidade ininterrupto de consentimento motor. Nesse efeito, é producente pensar no espaço que percorre o viés das percepções humanas, principalmente onde ele se presentifica quando este se torna espaço do corpo.

Sinto que dançar é um processo inacabado, com diversos graus de desejo e conhecimento, uma continua aproximação com as muitas espécies de matéria e neste curso muitas apreensões que desembarcam num processo incansável e variável do fazer dançante. Todo esse percurso oscila sobre uma transitória e flutuante necessidade de obter um corpo que acolhe a realidade do espaço objetivo, brinca e modula sua organicidade, todavia, desdobra-se tecendo novas visualidades, claro, numa pluralidade infinita de combinações incansáveis. O sobressalto de reencontro que indica o meu espírito de dançarina na superfície da minha matéria está assertivamente dentro do meu particular mundo, transitando numa relação orgânica com a minha escultura humana em perpétuo movimento, mediada, por um mover-se sensível, agora, totalmente inaugural à minha gestualidade.

Mesmo sob esta ocupação aportada por métodos e conceitos, o meu corpo constrói toda uma qualidade motora que se desdobra por um gosto pessoal, não havendo problematização na descoberta do que se refere à suposta limitação de espaço. Parece-me que toda essa plasticidade de fusão do interno com o externo – seja ele espaço da estrutura que me circunda ou espaço do corpo – ainda se desdobra numa nova percepção. É como desembarcar numa periferia, onde antes se passava só o olho, e agora, entro por entre suas ruas, percebo seus ângulos, seus contornos e extremidades, adoto uma nova impressão dessa prática do mover-se antes só no corpo dançante; maximizado, e hoje, internamente respirado e descortinado, sobretudo, sentido sem o caráter da eterna racionalização rígida, mesmo tendo que passar, às vezes, por ela ou depender dela para demandas criativas.

Todavia revejo que consequentemente à minha materialidade corpórea, aqui não mais se proclama como instrumento ou objeto de pesquisa exata e absoluta, mas por minha natureza de ser dançante que muito antes de ser cartesianizadas; é corpo que dança, sou eu, corpo que sente, assim toda as influências pensadas e reincididas sobre o método e os demais conceitos aqui ressaltados me aplicam a liberdade de escolha sobre seu uso ou sobre seu engavetamento, sem esquecer que também se tornam aportes importantes em determinadas circunstâncias, e estão ali, presentificada no tempo e espaço em que se pede.

Mesmo mediada pelo contorno da proposta metodológica, hoje, mantenho a certeza da fruição do espaço aos mecanismos de liberdade do meu gesto dançante, além de convicta sobre a utilização das técnicas antes aprendidas, e das tantas histórias realizadas e pessoas digitalizadas em meu corpo. Contudo, é sempre producente instituir o exercício individual do reconhecimento de um corpo cênico e seus encantos com espaços mais reconhecíveis, além do espaço e tempo continuamente incididos.  Compactuo com toda essa gênese de sentido do método que permite utilizar a carga de minha história de vida para com o processo criativo. Logo, absorver o método como uma tela infinita é tão decisivo quanto instigador para o processo de execução e percepção do gesto dançante.

É na complexa fusão de corpo – espaço, que sinto que não se pode apenas concentrar-se no retrocesso analítico, afinal trata-se também do espaço de agora e do espaço de sempre, emergindo um canteiro de novas invenções, consumada por estímulos sem fronteiras. É preciso aprofundar-se no tempo presente da visibilidade do dançante, inclusive, sem muita demanda racional, numa finíssima película do sensível que afeta e promulga emoções, assim transbordando novas e inacabadas esferas do movimento ao sentido que jamais padece. Neste exame o que se propõe é pensar no gesto que toma e é tomado pelo espaço, assim, tê-lo sobre controle, e até sob o descontrole é de grande repercussão aos meus dados de consciência. Ao passo que todo processo alcança diferentes esferas de atenção sobre as influências das coisas vividas que se apregoam numa proposital abertura contínua e presente nos poros da minha carne.

Referências

ALMEIDA, Marcia. Dança líquida. Disponível em: http://flordechitaempoemas.blogspot.com. Acesso em: 02 set. 2011.

BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

DEWEY, John. A arte como experiência. São Paulo: Martins Fortes, 2010.

GIL, José. Movimento total: o corpo e a dança. [s.l]: Relógio d’água, 2001.

LOBO, Lenora; NAVAS, Cássia. A arte da composição: teatro do movimento. Brasília: LGE, 2008.

LOBO, Lenora; NAVAS, Cássia. Teatro do movimento: um método para o intérprete criador. Brasília: LGE, 2003.

VIANNA, Klauss; CARVALHO, Antônio. A dança. São Paulo: Siciliano, 1990.

MORRIS, Robert; O tempo presente do Espaço: Escritos de Artistas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.